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Agroflorestas têm apresentado impactos positivos na redução da emissão e captura de carbono.

Atualizado: 28 de jun.

A temperatura média global aumentou cerca de 1,1°C desde o período pré-industrial (1850-1900). A atividade humana é responsável pelo aquecimento da atmosfera, dos oceanos e da terra. Sem reduções significativas nas emissões de gases de efeito estufa, o aquecimento global pode ultrapassar 1,5°C e 2°C ainda neste século.

Por: Gabriela Andrietta

O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) divulgou em 2021 o relatório "Climate Change 2021: The Physical Science Basis", alertando sobre o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos devido às mudanças climáticas.

Entre esses eventos estão ondas de calor, chuvas intensas, secas, inundações, ciclones e eventos compostos, como calor extremo e seca simultânea. As emissões de gases de efeito estufa provocadas pelo homem têm aumentado a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos, especialmente relacionados aos extremos de temperatura. Pequenos aumentos na temperatura global podem causar grandes mudanças nos extremos climáticos regionais e globais, tornando esses eventos ainda mais frequentes e intensos.

Desde 1950, a frequência e a intensidade dos extremos de calor aumentaram, enquanto os extremos de frio diminuíram globalmente. A influência humana, principalmente por meio dos gases de efeito estufa, é a principal causa dessas mudanças. A precipitação intensa aumentou na maioria das regiões terrestres, sendo as emissões de gases de efeito estufa a principal causa. As secas também aumentaram em algumas regiões devido à maior evapotranspiração provocada pelas mudanças climáticas. Com o contínuo aquecimento global, a frequência e a intensidade de eventos extremos, como ciclones e secas severas, podem aumentar. A probabilidade de eventos climáticos compostos, como ondas de calor e secas simultâneas, continua a crescer.

O professor Newton La Scala Jr., da Unesp de Jaboticabal, pesquisa mudanças climáticas, ciência do solo e práticas agrícolas sustentáveis. Os seus estudos sobre o impacto das atividades agrícolas nas emissões de gases de efeito estufa apontam para formas de mitigação desses efeitos. O professor destacou que o IPCC desempenha um papel crucial na compreensão das mudanças climáticas globais. 


Aquecimento global e aumento de CO2 na atmosfera



O IPCC compila os dados e apresenta relatórios de pesquisas científicas. Recentemente, foi publicado um relatório síntese, divulgado em 2023, que inclui dados paleoclimáticos obtidos de testemunhos de gelo, como os do sítio de Vostok na Antártida.  

Conforme explicado pelo professor Newton La Scala Jr, estes dados mostram que a camada de gelo na Antártida, formada ao longo dos últimos 500 a 600 mil anos, contém registros históricos da concentração de CO2 na atmosfera. As análises revelam que a cada 100 mil anos ocorre um pico de concentração de CO2, com os níveis mais recentes alcançando aproximadamente 400 ppm devido às atividades humanas.

Segundo o professor Newton, "A Antártida tem em seu centro, cerca de três quilômetros de camada de gelo, e essa camada de gelo se formou por deposição nos últimos 500, 600 mil anos. Se você fizer um furo e tirar o gelo que existe da superfície até uma certa profundidade, no interior desse gelo você tem bolhas de ar da época em que esse gelo se formou. Essas medições podem ser feitas de forma direta nessas bolhas dentro do gelo. Há uma série de 400 mil anos de concentração de CO2 na atmosfera, em ppm. Aproximadamente a cada 100 mil anos, há um pico, e aqui está o mais próximo do presente. As atividades humanas, especialmente o uso de combustíveis fósseis e o desmatamento, jogaram recentemente essa concentração de CO2 na atmosfera para próximo de 400 ppm. Hoje em dia, a concentração de CO2 na atmosfera é mais de 400 ppm, mais próximo de 410 ppm, e isso ocorreu principalmente nos últimos 200 anos.

Com base em análises isotópicas, é possível fazer uma regressão da temperatura em que essa espécie conviveu. A cada 100 mil anos, há um pico na temperatura média do planeta. Zero seria próximo do atual. O planeta já teve uma temperatura nos últimos 300 mil anos, 2 graus aproximadamente acima do que é hoje. Atualmente, a temperatura média do planeta é em torno de 15, 16 graus, mas já teve temperaturas 8 graus abaixo do que é hoje. Essas oscilações da concentração de CO2 na atmosfera e nos dados paleoclimáticos, CO2, metano, óxido nitroso, oscilam muito de acordo com as oscilações na temperatura média do planeta. Os modelos climáticos são validados com esses dados, então você tem modelos climáticos de agências diversas que são validados com esses dados e de vários outros lugares que foram extraídos. Esses dados de testemunho de gelo estão extraídos da Antártida e também do Ártico, e então a temperatura média do planeta tem suas oscilações.

Nos últimos 200 anos, a concentração de CO2 na atmosfera aumentou significativamente, ultrapassando 400 ppm. Este aumento, principalmente atribuído à queima de combustíveis fósseis e desmatamento, coincide com um aumento de temperatura média global de cerca de 1,2 graus Celsius desde a era pré-industrial. Os extremos de temperatura, tanto as máximas quanto as mínimas, têm aumentado nas últimas décadas.'’


Eventos climáticos extremos



Com os eventos extremos, têm sido observados aumentos de temperatura e de precipitação extrema, bem como de dias consecutivos de seca. A maior temperatura do ano e a temperatura mais baixa do ano mostram essas tendências de aumento. Esses indicadores refletem o aquecimento global e suas consequências diretas. O relatório síntese de 2023 também destaca um aumento nas precipitações extremas, incluindo a região o sul do Brasil.

O professor Newton destacou que "sobre os extremos, em primeiro lugar, é possível pontuar os extremos de temperatura. A cada 10 anos, em um  determinado local, é medida e registrada a maior temperatura do ano. De 1960 a 2018, esses dados são observados em estações meteorológicas. Em um caso muito extremo, de 1 grau a cada 10 anos, em 70 anos, temos áreas no planeta em que a temperatura mais quente observada no ano já aumentou 7 graus, por exemplo. O mesmo diz respeito à temperatura mais fria do ano, que geralmente é à noite. A cada década, isso também está aumentando. E o número de dias cuja temperatura excede os 90% mais registrados, também está aumentando.Em relação às precipitações extremas, no relatório síntese publicado em 2023, ele reporta o aumento observado no mundo. No sul do Brasil, há um aumento das precipitações mais pesadas. Com relação aos dias consecutivos de seca, essas são as tendências observadas de 1960 a 2018, por década. Em um caso extremo, são oito dias a cada dez anos a mais de secas consecutivas. E isso é espacializado ao longo dos continentes."


Impactos, Mitigação e Adaptação




Os impactos desses eventos extremos e das mudanças climáticas na agricultura e na produção de alimentos são significativos. Em alguns continentes, esses impactos são tanto negativos, quanto positivos, dependendo das condições locais.

O relatório enfatiza a importância da mitigação, que envolve a redução das emissões de gases de efeito estufa e a captura de CO2 atmosférico. Setores como energia solar, eólica, agricultura e restauração de ecossistemas são cruciais. A redução do desmatamento e a implementação de sistemas agroflorestais são destacadas como estratégias eficazes para capturar CO2 e melhorar a resiliência dos sistemas agrícolas. O professor Newton explicou que "existem múltiplas oportunidades e necessidades de mitigação, seja essa mitigação entendida como redução das emissões ou captura de CO2, o sequestro de carbono. As emissões globais fecharam em 2023 próximos de 60 bilhões de toneladas de CO2 equivalente. Setores como suprimento de energia, uso da terra, água e produção de alimentos têm oportunidades mitigatórias significativas. Os principais setores apontados são: a energia solar, e a energia do vento no suprimento de energia. Na agricultura, a redução da conversão de ecossistemas naturais ou o desmatamento poderia salvar cerca de 4 gigatoneladas de CO2 por ano. O sequestro de carbono na agricultura e a restauração de ecossistemas, ou em sistemas agrícolas degradados, também são cruciais. Somando esses potenciais, estamos falando de 15 gigatoneladas de CO2 equivalente, que são oportunidades reais para reduzir a concentração de CO2 na atmosfera."

A implementação de políticas e práticas sustentáveis pode ajudar a mitigar as emissões de gases de efeito estufa e aumentar a resiliência dos sistemas agrícolas e naturais às mudanças climáticas. A adaptação é a prática de ajustar os sistemas e comunidades para reduzir os impactos negativos das mudanças climáticas. A capacidade adaptativa é maior em comunidades com acesso a recursos e conhecimento sobre práticas resilientes. O fortalecimento das infraestruturas, políticas de segurança alimentar, e gestão sustentável de recursos são essenciais para a adaptação às mudanças climáticas. Como explica o  professor Newton, "Com relação à adaptação, a redução do risco climático através de adaptações é uma realidade, e a capacidade adaptativa depende de como os países podem lidar com os recursos e conhecimento para implementar práticas resilientes.

As agroflorestas, por exemplo,  têm apresentado impactos positivos na redução da emissão e captura de carbono. Os Sistemas agroflorestais, que combinam agricultura, pecuária e floresta, podem ser soluções viáveis para mitigar mudanças climáticas, aumentando a captura de CO2 na biomassa e no solo. Esses sistemas não apenas ajudam na mitigação, mas também na adaptação, fornecendo um ambiente mais estável para a produção agrícola e pecuária.

Conforme destacado pelo professor Newton, "As agroflorestas são sistemas agrícolas complexos que podem envolver a pecuária e a floresta, a agricultura e a floresta, ou uma combinação de agricultura, pecuária e floresta. Além de ajudarem na mitigação, esses sistemas capturam CO2 à medida que a floresta cresce, dependendo do espaçamento e da densidade da floresta. O CO2 é incorporado na biomassa das plantas, que são altamente capazes de fazer isso, e também pode ocorrer um acúmulo desejável de carbono no solo.

Do ponto de vista do balanço de gases, é perfeitamente possível alcançar um balanço próximo de zero ao integrar a produção agrícola com o crescimento das florestas. Publiquei trabalhos sobre isso junto com ex-alunos, e em 2015 e 2016 discutimos o balanço de gases de efeito estufa em sistemas de produção de carne, pastos degradados, pastos bem manejados e na integração lavoura-pecuária-floresta."

Entretanto, além da questão da mitigação, existe também, especialmente quando se trata de animais, a questão da adaptação. Conforme explicado pelo professor Newton, "muitas vezes, um sistema como esse,está se mostrando mais adequado ou, às vezes, até mais produtivo, porque os animais têm um ambiente com menores temperaturas e maior umidade do ar. A agricultura já está implementando isso muito bem, pois o interesse principal é a produção eficiente, sem perdas, e o aumento da produtividade. Para melhorar a produtividade, muitas adaptações já estão sendo feitas na agricultura e, especialmente, na pecuária. Mesmo que, ao integrar a produção de frutas e café com florestas, haja uma pequena queda na produtividade, o benefício do balanço de gases de efeito estufa em sistemas de produção de carne, pasto degradado, pasto bem manejado e a integração lavoura-pecuária-floresta é significativo."


Perspectivas Futuras e Políticas Públicas




As projeções futuras indicam, infelizmente, a possibilidade de piora. No entanto, com ações de reversão adequadas, podemos alcançar um panorama mais favorável. Essas projeções dependem muito das medidas que tomarmos futuramente e de como essas ações afetaram a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.

O professor Newton reforçou que “O aumento de temperatura máxima no dia e o aumento de temperatura na noite tem uma série de influências e isso começa a ser prejudicial para a própria produtividade agrícola, para os animais e para a pecuária também.  No caso do Brasil, as maiores emissões de gases de efeito estufa decorrem do desmatamento, que precisa ser controlado até se alcançarmos o desmatamento zero. Nosso país possui grandes áreas anteriormente utilizadas como pastagens, hoje degradadas, que poderiam ser melhor aproveitadas pela agricultura, integrando-as com florestas e criando um ambiente mais saudável para a produção agrícola e outros aspectos.

As agroflorestas, além de favorecerem o balanço de gases de efeito estufa através da captura de CO2 e incorporação de carbono na biomassa e no solo, trazem outros benefícios, como aumento da biodiversidade, melhoria do ciclo hidrológico, redução das temperaturas máximas na região e aumento da umidade relativa do ar.

Essas vantagens ocorrem principalmente devido à adaptação. Se houvesse um mecanismo para estimular e remunerar os agricultores a fazer tais transições, como um sistema de crédito de carbono ou mercado de carbono, essa transição ecológica nos sistemas agropecuários poderia ser acelerada. Isso seria desejável não apenas do ponto de vista do balanço de gases de efeito estufa, mas também por outros benefícios relacionados às agroflorestas e suas múltiplas vantagens ambientais.

Esses mecanismos que financiam transições, como a eficiência energética ou uma possível transição ecológica, poderiam contar com financiamento internacional. No entanto, a política pública é fundamental nesse processo. O Brasil está atualmente aprovando no Senado o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, que pode incentivar essas transições visando a remoção de CO2 da atmosfera e sua incorporação no solo e na biomassa, por meio de reflorestamento. Isso beneficiaria os agricultores, acelerando essas transições.

No Brasil, dependendo do bioma, como Mata Atlântica e Cerrado, os agricultores devem conservar 20% de suas terras como reserva legal, uma mata nativa prevista por lei. Com um mecanismo que gratifique os agricultores por regenerar suas áreas e ampliar zonas de proteção e reflorestamento, eles poderiam receber créditos por isso. Isso não apenas combateria as mudanças climáticas, mas também melhoraria a biodiversidade, o ciclo hidrológico, a umidade relativa do ar e o conforto térmico das regiões. Embora ainda seja um desafio, estamos próximos de criar um mecanismo nessa direção, o que vejo como muito possível.”

O IPCC destaca que essas atividades têm o maior potencial de captura de carbono em todo o mundo, especialmente no Brasil. O sequestro de carbono no solo e na biomassa em áreas de reflorestamento possui um enorme potencial, considerando as extensas áreas no Brasil que poderiam ser reflorestadas, contribuindo significativamente para o equilíbrio dos gases de efeito estufa. É viável que o Brasil alcance um balanço próximo de zero, ou até mesmo negativo, antes de 2030, caso siga nessa direção. Essas são estimativas factíveis, dependendo das políticas que serão implementadas.

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