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Regeneração é observada na vegetação após incêndios na Serra do Cipó

A Serra do Cipó abriga o campo rupestre, uma vegetação que ocupa menos de 1% do território brasileiro, mas concentra cerca de 15% da biodiversidade de plantas do país. Embora a adaptação ao fogo seja uma característica deste ecossistema, os incêndios recorrentes e cada vez mais frequentes estão ameaçando a resiliência dessa vegetação.

Por Gabriela Andrietta

Em agosto de 2024, 5,65 milhões de hectares foram queimados no Brasil, o que representa 49% da área queimada desde janeiro, segundo o Monitor do Fogo, do MapBiomas. No final de agosto, houve um incêndio no Parque Nacional da Serra do Cipó, em Minas Gerais, que  durou três dias. O fogo começou no domingo, 18 de agosto, e destruiu cerca de 8.500 hectares da vegetação. 

Beatriz Lopes Monteiro, doutoranda orientada pela Professora Patrícia Morellato, diretora do CBioClima e docente do Instituto de Biociências da Unesp, e coorientada pelo Professor Pedro Joaquim Bergamo, realiza trabalho de campo na Serra do Cipó como parte do seu projeto de doutorado. Duas das cinco áreas que ela estuda foram impactadas pelos incêndios. A sua pesquisa analisa as características reprodutivas das plantas em uma comunidade de plantas no campo rupestre e essa vegetação, apesar de se adaptar, está vulnerável às novas dinâmicas causadas pelos incêndios.

Beatriz explica que “a gente estuda a Serra do Cipó devido à vegetação que ocorre ali, que é o campo rupestre, um tipo de vegetação adaptada ao fogo. Algumas espécies de plantas só florescem após o fogo, [essas espécies] têm essa adaptação de brotar e florescer após o fogo. O que estamos observando com essas mudanças antrópicas e no clima é que os fogos, que naturalmente ocorrem no final da estação seca, estão acontecendo cada vez mais cedo. Áreas que queimavam uma vez a cada tantos anos agora estão queimando quase todo ano. E são esses efeitos que são interessantes para entender. Também queremos identificar quais espécies estão mais vulneráveis, e quais demoram mais para se recuperar após o fogo. Com o aumento da frequência dos incêndios, algumas espécies podem não conseguir voltar, enquanto outras podem se adaptar melhor. Não sabemos se o  campo rupestre é uma vegetação adaptada a um fogo tão recorrente. Além disso, é importante entender a distribuição das características reprodutivas das plantas, como flores e frutos, que variam em cor, tamanho e recursos oferecidos. Queremos descobrir se há um padrão de distribuição dessas características e como os polinizadores influenciam essa distribuição ao longo do tempo e no espaço.”

Além das plantas, os polinizadores também estão ameaçados. Segundo Beatriz, não sabemos se as abelhas nativas, que fazem ninhos no solo e são fundamentais para a manutenção da biodiversidade local, podem enfrentar maiores dificuldades em áreas constantemente atingidas pelo fogo. Mais informações sobre esse assunto podem ser encontradas no artigo da Beatriz no Biological Journal of the Linnean Society. Por outro lado, a abelha invasora Apis mellifera tem se mostrado resiliente a essas condições, o que pode gerar um desequilíbrio ecológico. Entretanto, em meio aos desafios trazidos pelos incêndios na Serra do Cipó, os pesquisadores registraram sinais de uma regeneração rápida em algumas espécies vegetais.


Cyperaceae_Bulbostyles paradoxa. Foto por: Beatriz Lopes Monteiro



Paisagem após a passagem do fogo. Foto por: Beatriz Lopes Monteiro

Fotos tiradas uma semana após as áreas terem sido queimadas mostram o início de uma rebrota verde em meio à paisagem carbonizada. Espécies como a Bulbostyles paradoxa, uma planta da família Cyperaceae, se destacam nesse cenário. Logo após o fogo, ela já começa a florescer, demonstrando sua impressionante capacidade de adaptação e regeneração. No entanto, a frequência e a intensidade dos incêndios ameaçam a biodiversidade da região.

As queimadas, além de causarem danos graves à vegetação, contribuem para a emissão de gases de efeito estufa, intensificando o aquecimento global. Em um artigo recente publicado na revista Ecological Informática, a pesquisadora de pós-doutorado Bruna Alberton e a Professora Dra. Patrícia Morellato investigam a regeneração da vegetação na Serra do Cipó após incêndios. No entanto, como ressalta Bruna Alberton, quando o estudo foi realizado, o fogo ocorreu durante a transição entre estações, já os incêndios deste ano aconteceram mais cedo, refletindo mudanças nas dinâmicas do fogo.


O estudo utilizou fenocâmeras instaladas um dia após a passagem do fogo em várias áreas, permitindo uma análise detalhada da recuperação da vegetação. As imagens digitais capturadas possibilitaram a seleção e comparação dos diferentes tipos de vegetação do campo rupestre. As vegetações com maior acesso e disponibilidade de água no local, como os campos úmidos e as turfeiras, se recuperaram mais rapidamente do fogo, em comparação com os campos pedregosos e afloramentos rochosos. Contudo, após três anos de monitoramento pós-fogo, todos os tipos de vegetação cresceram da mesma forma, apresentando características semelhantes às que tinham antes dos incêndios. 

​​Esses registros são fundamentais para entender como determinadas plantas conseguem se recuperar rapidamente após um incêndio, enquanto outras enfrentam maiores dificuldades. O estudo do comportamento dessas espécies pós-queimada, aliado às análises das fenocâmeras que monitoram a área, permite orientar futuras ações de conservação na região.

Em maio deste ano, o Parque Nacional de Itatiaia enfrentou um grave incêndio. Diferentemente do campo rupestre, a vegetação de campos de altitude da Mata Atlântica de lá não está adaptada ao fogo. O fogo se alastrou rapidamente devido às condições climáticas secas e ventos fortes, atingindo cerca de 200 hectares. Conforme explicou o professor Pedro Bergamo, do Instituto de Biociências da UNESP, e que realiza pesquisa na região: “Isso acontece mais na época seca do ano, quando as plantas secam e se tornam combustível disponível. Com menos chuva, o fogo se espalha rapidamente. 

Segundo Pedro Bergamo, as mudanças climáticas estão tornando eventos  de seca extrema, como o El Niño, mais severos e recorrentes. "Isso aumenta a produção de combustível, ou seja, de vegetação seca que queima e alastra rapidamente o fogo. Sem as chuvas, fica ainda mais difícil controlar o fogo. Mesmo ecossistemas adaptados ao fogo vão sofrer perda de biodiversidade, pois nem todos os grupos de plantas e animais estão adaptados a altas frequências e intensidades de fogo. Dessa forma, vamos perder esses componentes da biodiversidade e resiliência dos ecossistemas."

O aumento na frequência dos incêndios ameaça a biodiversidade das áreas afetadas, inclusive em ambientes adaptados ao fogo, como a Serra do Cipó. O monitoramento contínuo desses ecossistemas, a análise de suas respostas pós-fogo e a mitigação das mudanças climáticas são essenciais para garantir a conservação da biodiversidade.


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