Realizado no final de agosto, pesquisadores se reuniram para debater o impacto das mudanças do clima.
Por Michelle Braz
As recorrências noticiosas dos últimos meses não deixam dúvidas: entre as tragédias de enchentes e queimadas pelo Brasil até a alta dos preços dos alimentos ao agravamento de doenças, a mobilização do conhecimento acerca das pesquisas sobre as mudanças climáticas globais se faz imperativa enquanto prioridade científica. Para promover a integração entre os projetos financiados pelo Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), além de estimular a própria integração entre os pesquisadores, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo promoveu um workshop neste eixo temático estratégico, no caso sediado no Instituto de Geologia (IG), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), nos dias 27 e 28 de agosto.
O CBioClima se manifestou em diversas propostas de sessões temáticas neste evento e aqui abordaremos as principais contribuições ao debate de nossa diretoria e pesquisadores associados.
Apresentação do CBioClima à comunidade científica
“Sempre me perguntam como surgiu a ideia de nosso Centro e gostaria de explorar esta perspectiva aqui!”. Foi neste tom de entusiasmo que a diretora do CBioClima, Patrícia Morellato, introduziu sua explanação sobre a formação e as particularidades científicas do CBioClima no segundo dia do evento. “Temos cinco objetivos principais de desenvolvimento sustentável no Centro: vida na terra, a vida na água, mudanças do clima, igualdade e equidade e educação. Mas é óbvio que sempre tem outros temas em associação”, relembrou a diretora.
Além da apresentação do organograma institucional e dados estatísticos sobre números de pesquisadores e publicações, Morellato destacou a missão do Centro de ser o primeiro observatório de pesquisa em biodiversidade e mudanças do clima focado na oferta de soluções sustentáveis e inovação baseada em ciência, além de viabilizar, desse modo, a disseminação dos conhecimentos ali gerados. Em diversos momentos de sua exposição, a pesquisadora enfatizou a necessidade de debruçamento científico entre as mudanças do clima com a manutenção da biodiversidade: “precisamos integrar, entender os efeitos destas mudanças dentro da biota. Não basta só entender como o clima muda, o que ele faz, quais os desastres naturais que ocorrem? Mas é o que acontece com a biodiversidade? E mais: como a recuperamos?”, problematizou Morellato.
A diretora do CBioClima delineou também os direcionamentos estratégicos do Centro, no caso, articulados em várias frentes específicas de pesquisas e projetos: síntese e big data; História Natural: dos genes aos ecossistemas; dimensões da biodiversidade; microbioma para soluções sustentáveis; inovação; disseminação. A partir de vários exemplos de pesquisas finalizadas ou em desenvolvimento, Morellato sintetizou os desafios futuros do CBioClima em projeção internacional: “o Global Sul precisa trabalhar mais e melhor. Lutamos por este esforço de integração. Nossos problemas convergem e já estamos, por exemplo, realizando um monitoramento de vegetações sazonalmente secas em parceria com o continente africano. Isso viabiliza soluções”, enfatizou a pesquisadora.
“Temos muitas frentes de atuação! Inovação, disseminação, o segmento de educação e formação de recursos humanos em todos os níveis. Desenvolvemos uma rede de ciência cidadã com alcance social, pois sabemos que muitos conceitos ainda são internalizados, inacessíveis. Queremos nos conectar com as pessoas e fazer a ciência crescer”, enfatizou a diretora Patrícia Morellato em sua fala de encerramento.
Curadoria na chamada FAPESP-NFRF
Além da exposição das especificidades do CBioClima, a diretora Patrícia Morellato problematizou, agora na perspectiva de curadora, sobre a chamada de cooperação internacional da Fapesp-NFRF (New Frontiers in Research Fund), fundo de pesquisa canadense de Iniciativa Conjunta Internacional para Pesquisa em Adaptação e Mitigação de Mudanças Climáticas, nos anos de 2022 e 2023.
No caso, a chamada em questão objetivou a promoção e a implementação de estratégias de adaptação e mitigação coproduzidas para grupos vulneráveis, numa articulação de colaboração entre financiadores de oito países – Brasil (a partir da FAPESP), Canadá, Alemanha, Noruega, África do Sul, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos. Sobre a coprodução especificamente, Morellato ressaltou que está é “uma palavra que estamos escutando cada vez mais: a ciência não só trazer a pesquisa, mas coproduzir com seu público-alvo”.
Entre os resultados obtidos, Morellato salientou que a complexidade era significativa em relação aos pré-requisitos do projeto. Em linhas gerais, a chamada elencou oito riscos-chave, sendo que todo projeto pleiteado deveria obrigatoriamente contemplar ao menos dois riscos como escopo e justificativa científica, além da associação com ao menos três parceiros internacionais entre os países associados. Fora a necessidade de um corpo científico transdisciplinar para execução do projeto e a promoção de jovens pesquisadores em seus times.
“Nós, pesquisadores, precisamos ser desafiados. Esta era uma chamada que os projetos financiados deveriam ter o potencial de criar uma mudança ou impacto significativo. Algo muito arrojado que merece nossa atenção”, concluiu Morellato.
Mais informações sobre o NFRF através do link: https://www.sshrc-crsh.gc.ca/funding-financement/nfrf-fnfr/international/2023/competition-concours-eng.aspx#eligible-projects
Desafios ao setor da Aquicultura
Na tarde do primeiro dia do evento, Patricia Morellato, pesquisadora e diretora do CBioClima, também fez a mediação da terceira sessão plenária – “Biodiversidade, Mudanças de Uso do Solo e Agricultura”. Entre os participantes desta sessão, Guilherme Wolff, professor da Unesp e pesquisador associado ao CBioClima, destacou sua trajetória de pesquisas no setor de Aquicultura. De antemão, o pesquisador contextualizou o interesse governamental na última década pela outorga na produção de animais aquáticos no Brasil, principalmente em ambientes continentais, ao destacar, por exemplo, o fato de que as projeções econômicas brasileiras reforçam o caso da tilápia de se tornar uma commodity. Para tal empreitada, Wolff destaca a necessidade de parâmetros investigativos de gestão e manejo até os limites de produção para cada ambiente, justamente uma problemática acentuada pelas mudanças climáticas, ainda mais nos processos de produção de um animal pecilotérmico.
Entre as iniciativas em desenvolvimento, Wolff manifestou a consolidação de disciplinas de pós-graduação específicas até o avanço das pesquisas na área. “Hoje, por exemplo, nós desenvolvemos equipamentos, sensores capazes de identificar a condição climática e compreender a fisiologia do animal. Fazer a previsão futura de crescimento de sua biomassa e o lançamento de resíduos. Toda informação integrada em tempo real”, informou o pesquisador.
Em síntese, Wolff também enfatizou o papel de políticas públicas em relação à conscientização ambiental nestes processos de aquicultura. “Além do painel de monitoramento dessas fazendas, importante premiar os gestores com boas práticas de manejo, que usam uma ração de melhor qualidade, tendo a checagem de resíduos. Afinal, qualquer oscilação climática ou ambiental, estes animais podem morrer do dia para a noite”, assevera.
Legado do Programa Mudanças Climáticas
Na sessão de abertura, o pesquisador Célio Haddad, diretor científico da área de Biologia da FAPESP e coordenador científico do CBioClima, salientou a amplitude dos problemas e os desafios pujantes deste escopo investigativo. “Este tema é muito relevante, sendo que afeta diretamente nossa sociedade. Desde as temperaturas e a seca acima da média, o que proporcionam os incêndios, até os problemas de saúde pública e de ordem econômica”, destacou o coordenador na primeira hora de início do evento.
Em consonância, Haddad reforçou o próprio legado bem-sucedido dos 16 anos de existência do Programa Mudanças Climáticas financiados pela FAPESP a partir de alguns parâmetros estatísticos. Desde seu surgimento em 2008, o Programa já aprovou mais de 1100 propostas, o que representa um investimento de mais de 250 milhões de reais. O pesquisador também alinhou a relevância deste segmento estratégico em outra perspectiva. “Como educador e professor universitário, o que mais me chama atenção foi a concessão de mais de 850 bolsas de pesquisa nos diferentes níveis. Refletindo muito na formação de recursos humanos qualificados nesta área extremamente importante”, concluiu Haddad.
Para saber mais sobre as iniciativas deste Programa FAPESP, acesso o link: https://fapesp.br/pfpmcg/
E vale a pena lembrar que todo o conteúdo do evento está disponível para assistir. Basta acessar ao site: https://fapesp.br/16957/workshop-do-programa-mudancas-climaticas-globais
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